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STF conclui sustentações em discussão de vínculo de motoristas de apps Plenário analisa se motoristas de aplicativos devem ser regidos pela CLT.

O STF retomou onesta quinta-feira, 2, o julgamento conjunto da Rcl 64.018 e do RE 1.446.336, que discutem se motoristas de aplicativos têm, ou não, vínculo empregatício, nos moldes da CLT, com as plataformas digitais.
A sessão foi dedicada à conclusão da fase de sustentações orais.
Na véspera, sob a condução do presidente da Corte, ministro Edson Fachin, o plenário ouviu a leitura do relatório e as manifestações de advogados e amici curiae.
Rcl 64.018
A reclamação foi ajuizada pela Rappi Brasil contra decisões do TRT da 3ª região e do TST que reconheceram vínculo de emprego entre entregadores e plataformas digitais.
A empresa alega afronta a precedentes do STF (ADPF 324, ADC 48 e Tema 590), defendendo que atua apenas como intermediadora tecnológica, sem relação empregatícia.
Nesta quarta-feira, 2, em sustentação oral, o advogado Márcio Eurico Vitral Amaro afirmou que a Rappi "não vende nada e não transporta ninguém", limitando-se a conectar usuários e fornecedores. Contestou a tese de "subordinação algorítmica", entendendo que ela extrapola o conceito jurídico de subordinação.
Já o advogado do entregador, Mauro de Azevedo Menezes, da banca Mauro Menezes & Advogados, sustentou que a Rappi se apresenta como empresa de transporte e exerce controle sobre valores, trajetos, clientes e sanções aos trabalhadores, o que configura subordinação.
Defendeu a aplicação do art. 6º da CLT para caracterizar a subordinação tecnológica e lembrou que diversos países e a União Europeia já reconhecem o vínculo em situações semelhantes.
Alertou, ainda, para os impactos sociais e previdenciários da "plataformização", ressaltando que a liberdade econômica não pode se sobrepor à proteção social.
RE 1.446.336
O caso teve origem em ação movida por uma motorista, cujo pedido foi negado em 1ª instância. O TRT da 1ª região reformou a sentença, reconhecendo a relação de emprego e condenando a empresa ao pagamento de verbas trabalhistas.
O TST manteve a decisão, entendendo que a Uber atua como empresa de transporte, afastando apenas a indenização por danos extrapatrimoniais.
No STF, a Uber argumenta que o entendimento da Justiça do Trabalho fere o princípio da livre iniciativa e ameaça um "marco revolucionário" da mobilidade urbana, com risco de inviabilizar sua operação no Brasil.
Na quarta-feira, 1º, representando a Uber, a advogada Ana Carolina Andrada Arrais Caputo Bastos defendeu que modelo que garanta "autonomia com direitos", equilibrando interesses de motoristas, consumidores e da plataforma.
Alertou para impactos econômicos de uma equiparação à CLT, que poderia reduzir o PIB em R$ 45,9 bilhões e aumentar a pobreza entre motoristas.
Pela motorista, o advogado José Eymard Loguercio, da banca LBS Advogadas e Advogadas, afirmou que o julgamento trata da efetivação de direitos fundamentais do trabalho, que não podem ser afastados em nome da liberdade econômica.
Sustentou haver robusta prova de subordinação algorítmica, reconhecida pelo TRT e pelo TST, e criticou a criação de uma "zona de não responsabilização" pela ausência de regulação.
Destacou que a OIT e a União Europeia já reconhecem vínculo em plataformas digitais e alertou para os efeitos sociais da precarização, concluindo que o STF deve reforçar a proteção trabalhista para evitar uma massa de trabalhadores sem direitos.
Amici curiae
Pró-motoristas
Nesta quinta-feira, 2, de um lado, as entidades representativas de trabalhadores defenderam a aplicação da CLT e a competência da Justiça do Trabalho para analisar caso a caso.
Pela Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, a advogada Milena Pinheiro destacou que motoristas e entregadores exercem trabalho subordinado e que cabe ao Judiciário afastar simulações que buscam fraudar direitos.
Na mesma linha, a advogada Letícia Kaufmann, da banca Cassel Ruzzarin Advogados, em nome da ANPT - Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho, afirmou que a livre iniciativa não pode ser usada como escudo para transferir riscos aos trabalhadores, lembrando que apenas 27% dos plataformizados contribuem para a Previdência, o que compromete a aposentadoria futura.
O advogado Gustavo Ramos, da banca Mauro Menezes & Advogados, falando pela Atam/DF - Associação dos Trabalhadores por Aplicativo e Motociclistas do DF e entorno, reforçou que a realidade de 2,2 milhões de trabalhadores sem proteção social não pode ser ignorada, reproduzindo relatos de motoristas sobre precarização e falsa autonomia - resumidos na expressão "o volante é do motorista, mas quem dirige é a Uber".
Também o advogado Antônio Escosteguy Castro, pelo Simtrapli/RS - Sindicato dos Motoristas por Aplicativos do RS, ressaltou que a alegada autonomia é ilusória diante de punições algorítmicas e defendeu que o STF reconheça a possibilidade de vínculo, permitindo que a Justiça do Trabalho fixe os parâmetros de proteção, como já ocorreu na Europa.
No mesmo sentido, o advogado João Victor Bonfim Chaves, pela FADDH - Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos, afirmou que os contratos de adesão firmados com motoristas fragilizam a manifestação de vontade e que, à luz do CC, a regra é a aplicação da CLT.
O advogado Pedro Zattar Eugênio, pelo Stattesp/SP - Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transportes Terrestres Intermunicipal do Estado de São Paulo, acrescentou que a Uber estrutura e controla toda a atividade de transporte, de modo que os motoristas não podem ser vistos como empresários, defendendo um patamar mínimo de direitos, como salário digno, jornada e transparência nos bloqueios.
Já a advogada Laryssa Lays Dutra Corrêa de Souza, pelo Sindmobi/RJ - Sindicato dos Prestadores de Serviço por Meio de Aplicativo do estado do Rio de Janeiro e Região Metropolitana, classificou a "uberização" como regime de subordinação algorítmica, disfarçada de autonomia, em que contratos unilaterais e desligamentos arbitrários expõem trabalhadores a riscos sem qualquer proteção.
A advogada Viviane Vidigal de Castro, pelo Sintat/RN - Sindicato dos Trabalhadores em Aplicativos de Transportes do Rio Grande do Norte, por sua vez, destacou o papel da gamificação como forma sofisticada de comando e controle, que orienta fluxos de trabalho de modo opaco e transforma a relação em um "cassino" de competição individual, esvaziando a autonomia real.
A advogada Denise Aparecida Rodrigues Pinheiro de Oliveira, pela Abrat - Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista, reforçou esse bloco ao afirmar que o que está em jogo não é apenas uma questão contratual, mas a efetividade dos direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição.
Com base no relatório Fair Work Brasil 2025, apontou que oito das dez principais plataformas não cumprem critérios mínimos de trabalho decente e que motoristas enfrentam longas jornadas, acidentes, assédio e endividamento.
Destacou ainda estudo do IPEA (2024) que revelou queda expressiva na contribuição previdenciária desses trabalhadores, e criticou o que chamou de "neocolonialismo digital", em que plataformas transferem lucros para fora do país enquanto deixam os motoristas em vulnerabilidade.
Concluiu defendendo que o STF reconheça o vínculo ou, ao menos, assegure a competência da Justiça do Trabalho para julgar cada caso, evitando a perpetuação da "autonomia fictícia".
Pró-plataformas
Em posição oposta, representantes das plataformas defenderam que a proteção social deve ser construída por meio de novo marco regulatório, e não pela aplicação automática da CLT.
Pela Amobitec - Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, o advogado Érico Bomfim de Carvalho, da banca Advocacia Velloso, argumentou que as empresas atuam como intermediadoras e não reúnem os elementos de vínculo empregatício.
Citou estudo segundo o qual eventual reconhecimento celetista poderia resultar na perda de até 1,2 milhão de postos de trabalho, aumento de preços e impacto de R$ 45 bilhões no PIB. Destacou, ainda, o PLP 12/24, que cria a figura do trabalhador autônomo por plataforma, com ganhos mínimos, contribuição previdenciária compartilhada, seguro contra acidentes e limitação de jornada.
Na mesma linha, a advogada Marilda de Paula Silveira, pelo MID - Movimento Inovação Digital, pediu a suspensão nacional dos processos até decisão definitiva do STF, alegando insegurança jurídica diante do alto volume de ações (cerca de 30 mil) e das divergências regionais e jurisprudenciais.
O advogado Floriano de Azevedo Marques Neto, da Manesco Advogados, em nome do iFood, defendeu que a CLT não se ajusta às novas relações de trabalho mediadas por tecnologia.
Explicou que, no modelo da empresa, o pagamento é feito pelo restaurante ao entregador, e que o serviço é prestado em horários específicos, muitas vezes como complemento de renda.
Citou dados sobre contribuição previdenciária e renda média e destacou medidas de proteção oferecidas pelo iFood, como seguros, assistência à saúde, pontos de apoio e concessão de 25 mil bolsas de estudo, sustentando que não se trata de precarização, mas de um novo modelo de trabalho por opção dos entregadores.
Por fim, pela Proteste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, o advogado William Takashi Noguchi Dovali acrescentou a perspectiva dos usuários, lembrando que 68,4% dos consumidores de aplicativos pertencem às classes C, D e E, que utilizam o serviço como complemento ao transporte coletivo e alternativa mais barata em comparação ao táxi ou ao carro próprio.
Segundo ele, experiências internacionais mostram que regulações rígidas, como em Seattle, resultaram em aumento expressivo de preços e queda na demanda, prejudicando motoristas, empresas e, sobretudo, consumidores.
Noguchi alertou que o reconhecimento do vínculo no Brasil poderia gerar elevação mínima de 25% no preço das corridas, afetando justamente as camadas mais vulneráveis da população.