Tribunal dos EUA analisa lei que impõe prisão perpétua para homicídio não premeditado
Data: 2024/10/14
Categorias: Jurídico, Crimes, Direitos Humanos
O Tribunal Superior de Pensilvânia, nos EUA, promoveu a primeira audiência para julgar uma lei estadual que prevê pena de prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional, para crimes de segundo grau — no caso específico, crimes tipificados como felony murder (homicídio que ocorre sem ser premeditado e durante a prática de outro crime).
O caso em julgamento é um bom exemplo do que leva um réu a ser acusado de felony murder — uma classificação de delitos de difícil tradução, porque felony é traduzido como “crime” e murder, como homicídio doloso, de acordo com o Dicionário de Direito de Marcílio Moreira de Castro. No caso julgado, o réu Derek Lee e seu comparsa Paul Durham invadiram uma casa em Pittsburgh, na Pensilvânia, em outubro de 2014, com a intenção de roubar dinheiro e outros itens de valor. Lee ordenou ao morador, Leonard Butler, que fosse com a namorada para o porão da casa. Deixou-os sob a vigilância armada de Durham e subiu as escadas para efetuar o roubo. Segundo a mulher, Butler atacou Durham, que atirou nele e o matou. Lee não estava na cena do crime.
Em outro caso que também pode ser impactado, um grupo de criminosos sequestrou Renaldo Zayas e John Alexander para exigir resgate de US$ 4 mil (pouco mais de R$ 20 mil) da família de Zayas. Amarraram e amordaçaram os dois dentro de um furgão. Sem conseguir o dinheiro, bateram nos dois e mataram Zayas a facadas. Alexander quase escapou da prisão. Mas, por contar a seu cunhado que armou o sequestro e se fez passar por vítima, foi denunciado e preso. Nenhum dos dois premeditou ou planejou matar as vítimas. Apesar disso, eles foram sentenciados à prisão perpétua (sem direito à condicional), porque a lei de Pensilvânia estabelece que o juiz deve aplicar essa “pena máxima” nos casos de crimes de segundo grau classificados como felony murder . Ou seja, o juiz não tem autoridade para aplicar uma pena que poderia considerar apropriada para o caso. Além disso, o Código Penal da Pensilvânia, ao definir crime de segundo grau, estabelece que promotores podem acusar e buscar a condenação de um réu, sem ter de provar que ele teve a intenção de causar a morte de outra pessoa.
Dos 50 estados dos EUA, apenas dois, Pensilvânia e Louisiana, têm esse tipo de lei. Juridicamente, a norma é tratada como inconstitucional pelos advogados de Derek Lee. Eles alegam, na ação, que a Constituição do estado proíbe “punição cruel”. A Constituição Federal é mais ampla: proíbe “punição cruel e incomum”.
Para o governador do estado, Josh Shapiro, a lei é inconstitucional. E, por isso, protocolou pedido para ingressar como amicus curiae na ação que corre no tribunal superior, na qual se manifestou a favor da reforma da lei — o que poderia acontecer por meio de uma medida legislativa.
A advogada-geral do estado, Jennifer Selber, encarregada de defender a lei em nome do governo, concorda com esse argumento da defesa. Em sua petição à Corte, ela argumentou que a pena máxima obrigatória de prisão perpétua, sem liberdade condicional, viola a Constituição do estado. Selber, no entanto, pediu aos ministros da corte para não atender a um pedido da defesa dos acusados para que a decisão fosse retroativa. “Se for retroativa, a decisão irá colocar uma pressão muito grande no Judiciário do estado”, diz sua petição.
A decisão poderia beneficiar mais de 1.100 prisioneiros condenados à prisão perpétua por crimes de segundo grau. Os ministros do Tribunal Superior de Pensilvânia terão de julgar, portanto, a constitucionalidade da lei. Na audiência de sustentação oral no tribunal superior, eles não deram indicações claras do que poderão decidir. O ministro Kevin Brobson, por exemplo, questionou se a punição do réu não se justificava pelo fato de ele ter invadido a casa armado. A ministra Christine Donohue, por sua vez, questionou se um réu pode ser condenado por homicídio em casos em que não se pode estabelecer intenção ou imprudência. “Esse é o argumento sobre a punição cruel. Precisamos nos atualizar”, disse.