Pode Lei Federal Atribuir Autonomia Funcional a Policiais Civis?
A Constituição Federal de 1988 estabelece um rol taxativo de órgãos públicos que possuem autonomia funcional, entre eles o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública. Esses órgãos são essenciais para a manutenção do Estado Democrático de Direito e possuem garantias específicas para o exercício de suas funções. Vejamos alguns dispositivos constitucionais que elucidam essa questão:
Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.
Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. § 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa…
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado… § 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa…
Regulamentações Infraconstitucionais
É importante destacar que a Constituição não atribui autonomia funcional diretamente aos agentes desses órgãos, mas sim às instituições como um todo. As leis orgânicas de cada instituição são responsáveis por estender essa prerrogativa aos seus membros.
A Lei Complementar nº 35/1979 (Lei Orgânica da Magistratura) estabelece que os magistrados não podem ser punidos ou prejudicados pelas opiniões que manifestarem ou pelo teor das decisões que proferirem, salvo em casos de impropriedade ou excesso de linguagem.
Da mesma forma, a Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica dos Ministérios Públicos Estaduais) assegura aos membros do Ministério Público a inviolabilidade pelas opiniões que externarem ou pelo teor de suas manifestações processuais ou procedimentos, nos limites de sua independência funcional.
A Questão da Autonomia do Delegado de Polícia
A Lei Federal nº 14.735/2023, que institui a Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis, introduziu uma novidade ao prever, em seu artigo 26, parágrafo único, a autonomia funcional do delegado de polícia:
Cabe ao delegado de polícia presidir o inquérito policial, no qual deve atuar com isenção, com autonomia funcional e no interesse da efetividade da tutela penal…
Além disso, o artigo 28 da mesma lei assegura ao perito oficial criminal a “autonomia técnica, científica e funcional”. No entanto, essa atribuição de autonomia funcional a servidores públicos que não estão previstos na Constituição suscita debates sobre sua constitucionalidade.
Análise Jurisprudencial
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido clara ao considerar inconstitucionais as tentativas de atribuir autonomia funcional a órgãos ou agentes que não estão previstos na Constituição. Em diversos julgados, o STF reafirmou que a autonomia funcional é uma prerrogativa restrita aos órgãos expressamente mencionados na Carta Magna.
Por exemplo, na ADI nº 1.246, o STF decidiu que a Procuradoria-Geral do Estado não possui autonomia funcional nos moldes da Magistratura, do Ministério Público ou da Defensoria Pública. De forma semelhante, em ações diretas de inconstitucionalidade relativas às Polícias Civis estaduais, o STF tem invalidado normas estaduais que pretendiam conceder autonomia funcional a delegados de polícia.
A Impossibilidade de Lei Federal Conceder Autonomia Funcional
Diante desse cenário, questiona-se se uma lei federal pode atribuir autonomia funcional a policiais civis. A resposta, à luz da jurisprudência e da sistemática constitucional, é negativa. A autonomia funcional é uma garantia restrita aos órgãos expressamente mencionados na Constituição Federal, e sua extensão a outros agentes públicos por meio de lei infraconstitucional viola o princípio da hierarquia das normas.
É importante ressaltar que a ausência de autonomia funcional não impede que os policiais civis atuem com independência técnica no desempenho de suas funções. A própria Lei nº 12.830/2013 garante ao delegado de polícia certas prerrogativas que visam assegurar uma atuação imparcial e livre de interferências indevidas.
Considerações Finais
Conclui-se que a atribuição de autonomia funcional a policiais civis por meio de lei federal infringe a Constituição Federal de 1988. Tal prerrogativa está restrita aos órgãos previstos expressamente no texto constitucional. No entanto, isso não diminui a importância da atuação independente e técnica dos policiais civis, que é fundamental para a efetividade da tutela penal e para a promoção da justiça.
Para aprofundar seus conhecimentos sobre esse e outros temas do Direito Constitucional, o CEPAC – Centro de Estudos, Preparação e Atualização para Concursos oferece cursos preparatórios de alta qualidade, com foco nas principais carreiras jurídicas. Acesse nosso site e conheça nossos cursos: www.cepacjf.com.br.
Referências Bibliográficas
- CONTELLI, Everson Aparecido. O Custo da Investigação Criminal: Abuso de direito criminal e a epistemologia das externalidades. São Paulo: JusPodivm, 2024.
- JORGE, Higor Vinícius Nogueira. Polícia Judiciária e Ministério Público – Uma Relação de Interdependência Funcional no Sistema de Justiça Criminal. São Paulo: JusPodivm, 2024.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
- BRASIL. Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979.
- BRASIL. Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993.
- BRASIL. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994.
- BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013.
- BRASIL. Lei nº 14.735, de 4 de julho de 2023.
- Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência relacionada às ADIs nº 1.246, 5.520, 5.522, 5.528, 5.536 e 5.579.
Prepare-se com o CEPAC!
Quer se aprofundar ainda mais em temas como este? O CEPAC oferece cursos preparatórios completos para concursos jurídicos e exames da OAB. Nossa metodologia inovadora e corpo docente experiente vão te ajudar a alcançar seus objetivos.
Conheça Nossos Cursos